A VIDA POR UM IDEAL
Sady Ricardo dos Santos
Há algum tempo, a Rede Globo de Televisão apresentou uma série denominada “anos rebeldes”, abordando com extrema sensibilidade a luta dos jovens imbuídos do ideal socialista, principalmente na fase da instalação da ditadura militar no ano de l.964 no Brasil. A série me tocou fundo porque praticamente vivenciei todo aquele período. Existia na época, um clima que emergia no país e que fazia com que os jovens acreditassem nas propostas socialistas embasadas nos princípios da teoria Marxista.
Havia muita pureza, em todos os participantes destes movimentos e principalmente um forte ideal reunindo as classes estudantis. Naquelas reuniões encontravam-se tanto jovens estudantes dos cursos científicos (atualmente o colegial), como também das áreas de engenharia, direito, medicina e tantas outras. As reuniões eram sempre levadas muito a sério e geralmente realizadas em locais simples, como casas nos arrabaldes da cidade, reunindo moças e rapazes num ambiente onde o respeito e o ideal eram a tônica dominante.
A maioria dos participantes, quando efetuava algum pronunciamento sobre os assuntos discutidos, quase sempre determinava profunda emoção nos presentes, não somente pela forma dos discursos, como principalmente pelo brilhantismo, profundidade e conclusões a que chegavam. Abordavam na época basicamente uma linha política semelhante à do partido dos trabalhadores, o PT, quando na oposição ao governo Fernando Henrique e que infelizmente depois de assumirem o governo sob a presidência de Lula, a cúpula do PT acabou sendo denunciada pelo deputado Roberto Jefferson de corrupção, formação de quadrilha, fraudes e mentiras de todo o tipo, além um suposto “mensalão” cuja comprovação fez cair toda a cúpula do planalto incluindo ministros, deputados e outros, ficando então desmoralizada toda a equipe que comandava a estrutura do planalto do governo Lula.
Quando em l964 os militares tomaram o poder e implantaram a ditadura no Brasil, todos os esquemas que lutavam pelas liberdades populares foram desbaratados. Militares entravam nas casas de supostos comunistas, destruíam as bibliotecas mesmo que os livros encontrados fossem relativos a outros assuntos. Lembro-me de um fato até certo ponto curioso, que ocorreu com meu sogro o médico Dr. Jorge Karam.
1 O Dr. Karam como era conhecido e que por diversas vezes em razão dos seus ideais socialistas, foi recolhido preso nos quartéis, era além de um médico de inigualáveis qualidades e uma fantástica pessoa humana, um notório filósofo.
Uma certa noite, um tenente e dois soldados entraram na casa dele e foram imediatamente para a biblioteca. Jogavam rapidamente os livros em um saco de aniagem, quando lá pelas tantas o tenente levantando a voz como se houvesse achado a chave do reino bradou: ah, ah! Vejam, disse aos soldados. Esta é a bíblia destes comunistas – “A capital”. O Dr. Jorge com a calma e a tranqüilidade que lhe era peculiar disse educadamente ao tenente: tenente, este livro “A capital” é uma obra histórica. O livro de Karl Marx sobre o comunismo é “O capital”. O tenente meio avexado retrucou: é... mas vai assim mesmo.
O período da ditadura foi na realidade cruento. Jovens, entusiastas de um regime socialista que viesse a melhorar a qualidade de vida com mais saúde, maior oferta de empregos e uma vida mais digna para as pessoas, eram espancados, levados aos trancos e barrancos às prisões em camburões fechados. Defendiam a luta da grande massa de operários e dos camponeses, contra as minorias capitalistas que continuam ainda nos dias de hoje, formando fileiras que bloqueiam o desenvolvimento de uma sociedade igualitária, onde hajam menos pobres e oprimidos e menos ricos opressores.
Uma grande parte deles, após interrogatórios com o uso de aparatos sofisticados de tortura, repousa até os nossos dias em valas comuns em locais desconhecidos.
Torturados, sufocados e reprimidos em seus anseios de liberdade, os nossos estudantes, amigos, parentes e colegas permaneceram até o fim da ditadura, amordaçados pelo truculento regime de exceção, que manchou indelevelmente de vermelho o nosso pendão verde e amarelo.
No silêncio de um passado de tristes recordações, onde jazem estes idealistas que lutaram pôr um mundo melhor, guardaremos por todas as nossas vidas esta magnífica lição de amor, coragem e patriotismo, revivendo em nossos corações o heróico episódio destes nossos meninos que se doaram por um país com mais liberdade e uma vida mais digna para todos nós..
Sady Ricardo dos Santos
Irmão Acadêmico da Academia de Cultura de Curitiba
Autor dos livros Viva mais e melhor
e da coletânea - Crônicas GAZETA DO POVO.
“O carrossel da vida”.
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